quinta-feira, 5 de julho de 2007

Melodramecão

O gênero Melodrama entrou em declínio há algum tempo (lá pelo final do século XIX, com a vinda forte do naturalismo), vindo a se incorporar à estrutura dramática pós-moderna assim como todos os outros gêneros, diluindo-se assim na categoria DRAMA (cujo cerne quer dizer AÇÃO, afinal, teatro é ação). Hoje, não se fala mais em Tragédia, Comédia, Melodrama, Farsa, Epopéia, Épico, Tragicomédia, Sátira, Paródia, Vaudeville e outros separadamente (salvos os casos em que propositalmente tenta-se emular os gêneros e subgêneros de outrora). A estrutura pós-moderna é senão um recorte destes gêneros em maior ou menor grau, dependendo do que se quer atingir.

Dito isso, feliz foi a minha entrada em um SESC Pinheiros lotado para ver, atualizar, regurgitar, antropofagizar e gargalhar com Melodrama, da Cia. dos Atores. O gênero em declínio estava todo ali. E tirava sarro de si mesmo. A interpretação artificial, exagerada, over; as reviravoltas típicas na trama em que qualquer um pode ser filho/irmão de outro; o mel escorrendo em todas as situações; o formicida com guaraná de Nelson Rodrigues; as radionovelas para donas-de-casa (atualizadas para as telenovelas de hoje) em que os atores zoam entre si e de repente incorporam o espírito do melodrama ao falarem no microfone; o maniqueísmo; as homenagens ao melodrama francês pastiche do século XVIII, o americano desajeitado das séries de TV e o espanhol/mexicano/latino açucarado e fatalista, além das óperas melodramáticas do século XIX.

Comemorando seus 19 anos, a Cia. de Atores trouxe três peças de seu repertório para o SESC Pinheiros: este Melodrama mais os espetáculos Ensaio.Hamlet e Gaivota - Tema para Um Conto Curto. Melodrama ganhou o Prêmio da APCA em 1995 e com razão. Enrique Diaz colocou tudo ali através de processo colaborativo. O tango (Piazzolla algumas vezes), músicas de Cauby e o Ne Me Quitte Pas de Edith Piaf em francês e espanhol. Tudinho. A pesquisa leva a platéia ao delírio, pois reconhece já os signos do gênero e também os truques que deveriam levar a platéia aos prantos, mas isso não ocorre mais. Não é à toa que Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, agora em cartaz nos Parlapatões e resenhado aqui, provoca risos apenas. Disse a Bravo! na edição de julho/2007 para a peça de Nelson:

"Preste atenção: Em como os tabus escancarados por Nelson Rodrigues nesta obra escrita em tom de tragédia há mais de 50 anos já não provocam indignação na platéia. Ao contrário, agora a peça arranca risos em alguns momentos."

Pois bem, o que Alexandre Reinecke não arrumou e tampouco evitou com Álbum, Diaz usou a seu favor.

Destaque para o elenco feminino encabeçado por Drica Moraes (surpreendentemente ótima), Bel Garcia (com momentos hilários) e Suzana Ribeiro (perfeita; na foto acima). O elenco masculino não fica atrás: estão lá Marcelo Olinto, Marcelo Valle, César Augusto e Gustavo Gasparini. Diaz segura os atores na precisão do gesto executado milimetricamente: exagerado sim, descuidado não. Ainda desenha a cena com a iluminação de Maneco Quinderé, abusando de focos e corredores, e a música de Carlos Cardoso, obviamente assinalando mais do que o ponto o que está acontecendo.

Mas o que chama a atenção é o texto de Filipe Miguez, que trabalha com apenas três histórias, intercalando-as e tirando o máximo de mel e açúcar das situações. Pontos para as cenas da novela Laços de Sangue e a história de Doralice. O problema reside na personagem Geraldo, um draminha insosso perto dos outros, que acaba enfraquecido, mas que de longe não afeta o espetáculo.

O jogo cênico é o que vale. É um espetáculo de atores. Por vezes, é possível achar que os atores estão improvisando, se não é que não estão. Agora, apenas Gaivota fica em cartaz até o meio de julho. Uma pena. Entretanto, a Cia. dos Atores ganha mais um fã. Ou 500 e tantos do SESC lotado.

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Site da Cia. dos Atores

2 comentários:

Anônimo disse...

Olha VJ, posso dizer que mais um fã a Cia. Já conquistou e olhe que nem foi pelo Bom "Melodrama", que assisti ontem no também lotado Sesc Pinheiros, mas pelo excelente "Ensaio.Hamlet", que assisti há algumas semanas e que me deixou Impressionado com a criatividade e disposiçào do grupo em tratar de obras clássicas e merecidamente re-inventada sob a direção de Enrique diaz, que já entrou pro rol dos diretores admirados. Pena que não poderei assistir "A gaivota", pois conheço o texto e gostaria de saber o que eles puderam inventar em cima. Mas ficarei no aguardo de mais alguma produção do grupo que embarcar em sampa.

Anônimo disse...

A peça realmente muito boa.
a historia da Doralice interpretada pela excelente Drica Moraes é um dos pontos altos do espetaculo.Aplausos pra ela!