terça-feira, 12 de junho de 2007

Álbum de Família

Um SESC Consolação quase lotado comporta a apresentação da sexta-feira de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, protagonizado por Denise Weinberg (na foto, abaixo, à esquerda), Cacá Amaral (ao lado de Weinberg com Rennata Airoldi no colo) e Ângela Barros (acima, de óculos) e dirigido por Alexandre Reinecke. Só esse breve currículo já seria o bastante para tornar a peça um evento marcante. Infelizmente não o é.

A história por si só é uma cacetada. Jonas (Cacá Amaral) é apaixonado pela filha Glória (Rennata Airoldi) e ela por ele. Por este motivo e por um acontecimento passado, ele procura garotas "puras" com a ajuda da cunhada Rute (Ângela Barros), também apaixonada por Jonas. D. Senhorinha (Denise Weinberg) assiste a tudo e mantém-se impassível. O tumulto revira-se mais quando os filhos retornam para o lar: Glória, expulsa do colégio interno por se envolver com uma garota; Guilherme (Gabriel Pinheiro), apaixonado pela irmã, castra-se e abandona o seminário à procura de Glória; Edmundo (João Vítor D'Alves), expulso pelo pai, apaixonado pela mãe, abandona a mulher com quem recentemente se casou. Por fim, Nonô (Eldo Mendes), enlouquecido após grande trauma envolvendo a mãe, corre nu, como um selvagem, mata afora.

Reinecke trouxe o Nelson Rodrigues ipsis litteris, com uma cenografia estilizada, porém pouco funcional e até mesmo óbvia, com janelas ao ar e vidros quebrados. A trilha pontua e serve de transição. Só. Trazer o texto do dramaturgo pernambucano sem alterações reflete alguns problemas da encenação: a começar pela própria platéia, que mais se diverte do que pensa diante dos diálogos específicos do autor. Rodrigues adorava a causticidade e a ironia de seu texto e sabia que a platéia teria acessos de riso, mesmo que risos nervosos. Incômodo foi perceber que, mesmo quando o riso não era pretendido pelo texto, ele acontecia. E aí? Problema do recifense?

Não. Problema do elenco. Do diretor. Aquelas falas tem uma especificidade que necessita de grandes cuidados. O problema é que a maioria do elenco entende o clichê de Nelson Rodrigues: diálogos passionais. Entende-se que todas as personagens do Anjo Pornográfico eram arrebatadas de paixão e por isso quase todas as falas dos atores eram gritadas, avolumadas, apaixonadas, mais ou menos como as pessoas pensam que Shakespeare é. Daí que é um passo para a comicidade plena em uma peça séria. Salvos os diálogos do Speaker (Riba Carlovich), que são tremendamente engraçados e contrastantes, poucos são os momentos de humor, pelos temas pesados, e o histrionismo passional lima o público de perceber os reais sentimentos de todos aqueles complexos personagens.

Além disso, as soluções cênicas às vezes parecem pastiche, como no momento em que Guilherme atira em uma das personagens. Sua fala é tão descuidada, assim como a ação de pegar a arma e atirar - seguida de um som de tiro extremamente artificial (sabemos que veio da caixa de som - poderia ser um som ao vivo, uma tábua batendo ao chão, por exemplo) - que a platéia ri diante da morte de uma das personagens. Rodrigues desenvolvia um potencial muito grandioso para a tensão, armando bate-bolas constantes, interrupções, sobreposição de planos, desvios nas histórias, portanto as soluções cênicas têm de caminhar e respirar junto com o texto.

A salvação do espetáculo se dá pelos experientes Cacá Amaral, Denise Weinberg e Ângela Barros, brilhantes como sempre. Apesar do registro corporal de Tia Rute ser um pouco eloqüente demais (muitos braços estendidos), Ângela oferece uma credibilidade forte à sua Rute. Amaral constrói um Jonas amargo e forte, apaixonado sem necessidade de gritos. E Weinberg, em sua quarta peça do dramaturgo maldito, brilha como D. Senhorinha, numa composição irônica, frágil e altiva ao mesmo tempo, sem exageros, resplandecendo uma sensualidade feminina que não perpassa aos olhos de Jonas até o final, quando este reconhece na mulher o quê da filha Glória. Weinberg não se deixa enganar pela paixão e transparece da matriarca aquilo que apenas deve, nada mais.

Na contabilização de prós e contras, creio que Álbum de Família seja um espetáculo que a platéia gosta. É correto muitas vezes, mas sem ousadia. E parte do elenco que interpreta os filhos deve prestar cuidados a suas atuações. Menos paixão, menos histrionismo. Menos é mais, se diz muito hoje. Assim, platéia, olhares direcionados para o trio Weinberg-Amaral-Barros. Estes valem, sempre.

Um comentário:

Débora disse...

muito boa a apresentação aqui em Araraquara!

[]s

Débora

debdacanal@hotmail.com