terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Eterna luta

Tenho uma admiração de longa data por Werner Herzog. Não apenas sua obra, mas também sua fascinação pela relação do homem com a natureza. O homem pequeno, que explora novos mundos, mas é incapaz de conviver com a sua própria origem selvagem. A natureza nem chega a ser vilã, pois tem apenas total indiferença e descaso. Ela o engole, sem nem notar.

E esse é o centro de O Sobrevivente – atualmente nos cinemas, talvez por mais uns dias, se tiver sorte –, história baseada no documentário Little Dieter Needs to Fly (1997), do mesmo cineasta. Ambos contando o fato real de Dieter Dengler, abatino no Vietnã em seu primeiro vôo. Feito prisioneiro por meses enquanto planeja sua fuga, em meio à floresta densa, ameaça ainda maior que os vietcongues.

Caso não conheça Herzog, é importante saber: ele é maluco. Não apenas em sua visão cinematográfica, como David Lynch, nem só excêntrico, como Lars Von Trier. Herzog é completa e totalmente doido. Ele já levou atores à depressão e apontou um revólver para que protagonista terminasse uma cena à força. Ele não quer apenas atores, quer pessoas que vivam os personagens. Sem dublês, sem estúdios, sem ensaios, sem marcas.

O efeito é sempre interessantíssimo. Principalmente com Cristian Bale assumindo a liderança do filme. Ele toma o título de um dos maiores atores de sua geração, colocando-se em situações de exaustão física, risco de vida e tensão psicológica. Tudo sem sair do personagem ou sem abandonar o esforço. A jornada de Dieter se torna real, quase um novo documentário, este mais íntimo. Pouco se explora de seu psicológico ou emocional, mas suas ações dizem tudo e, principalmente na maneira como são feitas.

Todo o elenco de apoio é genial. Do sempre estranho Jeremy Davies (fazendo de trunfo sua magreza) até o surpreendente Steve Zahn, além do reconhecível. Imersos nas locações e situações, estão alheios às câmeras. Envolvem-se em improvisações de deixar perplexo, seja conversando sobre comida ou retirando sangue-sugas do corpo. Em close.

Verdade que os cinco minutos edificantes do final parecem fracos frente à força selvagem dos anteriores. Mas só em comparação. Ali fica exposta apenas a homenagem rasgada e declarada de Herzog por Dieter. A fascinação pelo homem que enfrentou a luta mais pessoal de todas, e escapou com vida.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Tempos bons, tempos ruins

Não sei se você ficou sabendo, mas os integrantes da segunda melhor banda de todos os tempos fizeram um show ontem, em Londres, depois de 20 anos separados. Deu um arrepio, aqui.

"With a band like this, you will go down as fast as a lead zeppelin"

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A gente sempre precisa de amor

Um desejo quase infantil me move a assistir musicais. É aquela vontade de acreditar que as pessoas podem realmente estar andando na rua mau-humorados com suas pastas executivas e de repente começar a cantar canções em uníssono, rodopiar e dançar coreografias extremamente complexas como se isso fosse o caminho natural da vida. É inocente.


Entretanto, quando abandono meus desejos primários, percebo que um bom musical precisa mais do que passinhos ensaiados e gente com voz bonitinha cantando. Também vai além do videoclipe e das canções-tristes-para-momentos-tristes e das felizes-para-momentos-felizes. Dá sim para fugir disso, brincar muito com as imagens e até experimentar novas maneiras de transpor a vivacidade do parágrafo acima sem cair na mesmice. O problema é que poucos diretores tem colhões para tal.

Julie Taymor, diretora de Across the Universe, parece ter inicialmente tentado provar que um musical bem feito poderia ter muita experimentação visual, porém, o resultado final parece provar que os estúdios sempre tem a palavra final. O que é triste, porque potencial o filme tem. Mas vamos começar pelo mote: Beatles.

A trilha sonora é inteirinha composta por músicas do quarteto e cantadas (mal) pelos atores. Agora tente imaginar este samba do criolo doido: o longa tenta acompanhar a discografia, a trajetória pessoal, o posicionamento deles no contexto da época, as situações memoráveis pelas quais eles passaram, mas sem representá-los fisicamente. Linke tudo isso a uma história de amor fictícia, cujo os personagens levam o nome das canções mais famosas. Um trabalhão do cacete e o filme ainda tenta enfiar Jimi Hendrix e Janis Joplin, como um casal pseudo-fofo. Over.

A tal história de amor é sobre Jude (Jim Sturgess), um garoto inglês, que vai morar nos Estados Unidos e curte o clima efervescente dos anos 60. Enquanto muitos jovens estão se engajando contra a Guerra do Vietnã e outros sendo convocados à lutar de fato, Jude se mantém alheio e entra de cabeça na paixão por Lucy (Evan Rachel Wood). Como você já pode prever, rola aquela dificuldade básica de ficar juntos (ou não poderiam tocar All You Need Is Love quando tudo se ajeita).

Não se pode esperar veracidade de um musical, mas também não dá para ficar forçando situações só para poder encaixar as canções e seus respectivos temas. Não gostei de Strawberry Fields Forever e odiei muito Dear Prudence. Hey Jude é óbvia, assim como Revolution, Across The Universe e All You Need Is Love, que não poderia deixar de ser fofa e edificante. Porém, I Want You (She's So Heavy) e I’ve Just Seen a Face são ótimas. Fora as participações especiais. Bono, tão envelhecido que eu quase não reconheci, Joe Cocker, caracterizado de mendigo e Salma Hayek, amiga da diretora, como uma enfermeira sexy.

Peca pelo psicolodelismo clichê em muitas cenas e é bem previsível em outras. Poderia ser melhor? Sim. É o melhor musical que já vi? Não. Vale a pena assistir? Sim. Nem que seja só pelo gostinho de ver uma concepção diferente para as memórias afetivas que todos nós temos para as músicas dos Beatles. Ah, e dá sim vontade de sair sapateando pela rua. Não me culpe, sou só uma menininha!