terça-feira, 20 de março de 2007

A grande atriz

Dizem que Fernanda Montenegro é a dama do teatro. Que nada. É uma grandissíssima atriz, mas há anos que a Fernandona não pisa em um palco. Ultimamente o negócio dela é cinema. Quem, ao meu ver, ainda representa a classe mesmo depois de ida é Cacilda Becker. Porque ainda permanece nas memórias de quem faz teatro, tanto pela força como atriz como pela atitude de quem parecia ser a mãezona de todos os atores de sua época.

No palco, uma grandeza. 68 peças, nada menos. Irmã de Cleyde Yáconis, outro ícone do teatro brasileiro, Cacilda fez a carreira decolar no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), em São Paulo. Dez anos depois montou sua própria companhia, o Teatro Cacilda Becker. Em seu currículo, clássicos como Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O' Neill, e Quem Tem Medo de Virginia Woolf, de Edward Albee.

Notável e pequena. Não era Carmem Miranda, mas ela ousava. Voz ela não tinha para cantar e, numa dessas ocasiões, ela disse:

"Vou cantar e ponto final. Sou Cacilda Becker e quando finjo que estou cantando, todo mundo acredita."
Dizem que à época da ditadura, um censor quis interromper o show de Maria Bethânia, Tempo de Guerra, no TBC, e Plínio Marcos - o incrível dramaturgo, mas um grande boca-dura - desacatou o militar. Foi em cana. Deu-se o quiproquó. Confusão. Atores, músicos, todo mundo queria que soltassem Plínio, mas ninguém conseguia. Até que abriu-se um corredor. Triunfante, a pequena apenas disse:

"Solte este homem! Amanhã nós iremos até a delegacia esclarecer o que aconteceu aqui e o senhor, por favor, esteja lá!"
Ao que o guarda respondeu:

"Sim senhora, a gente explica direitinho."
Em 1969, em outra antológica de suas peças, Esperando Godot, de Samuel Beckett, contracenando com seu marido, Walmor Chagas, no intervalo, ela passou mal. Teve um derrame cerebral. E foram-se 38 dias de agonia, internada, até a incrível atriz partir.

A maior atriz brasileira. Nenhuma equiparável. Quem dera os atores de hoje pudessem se espelhar nessa figura. Grande Cacilda. Eu mesmo sinto saudades dessa senhora, apesar de nunca tê-la visto. É um daqueles mitos que não se pode negar.

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3 comentários:

Anônimo disse...

Também na a vi, mas aqui na Abril já me deparei com fotos ótimas dela. Já a Cleide Yáconis eu já até entrevistei...grande atriz também.
Faltam grandes damas ou mesmo divas hj em dia.

Anônimo disse...

Gostaria de morrer como ela, no palco, atuando, fazendo o ama.

Vitor disse...

Li "Fúria Santa" e gostei muitíssimo. O autor soube dosar, como poucos biógrafos que já li, admiração e imparcialidade no retrato que fez sobre vida da grande Cacilda. Livro imprescindível para um país sem memória, que reverencia tão pouco aqueles que realmente merecem, e que valoriza tantos outros sem valor nenhum. Só não me agrada no comentário a comparação com Fernanda Montenegro. Aliás, não acho que para uma pessoa ser reverenciada (principalmente uma pessoa como Cacilda) outra tenha de ser desqualificada. Acho Fernanda uma das maiores atrizes do mundo, e tenho o maior orgulho de que ela seja brasileira, fazendo teatro hoje ou não. E essa coisa de primeira não-sei-o-quê, vamos e venhamos, já deu, né? Viva Cacilda! Mas viva também Marília Pêra, Bibi Ferreira, Cleyde Yáconis, Berta Zemel, Marilena Ansaldi... todas ao seu modo únicas, todas ao seu modo grandes.
Abraço.