domingo, 1 de julho de 2007

Impostura

Mário Bortolotto falando sobre a arte da literatura e Fernanda D'Umbra tresloucada. É quase possível dizer que alguém os viu ou ouviu em algum bar na Roosevelt. Não. Era na peça mesmo. Impostura, de Marici Salomão. E Salomão foi inteligente, demais, em brincar com o que se espera dos atores. Adicionando uma pitada de Patrícia Leonardelli para tirar a referência e está feita a história.

Bortolotto e D'Umbra interpretam dois bêbados. Talvez um casal, embora não se saiba ao certo qual a relação daqueles dois. Eles têm algo em comum: se detestam. A bêbada de D'Umbra chega ao apartamento com seu recém-conhecido affair, uma mulher - as duas loucas para se divertirem no apartamento, mas a triste figura do escritor em decadência ainda está no sofá. E bebe. Acontece que os dois discutem tudo entre si e demonstram uma repulsa e um afeto desmedidos, lutando, colocando a personagem da "amante" ao largo. Esta, por sua vez, se mostra interessada em conseguir entender o que se passa ali. E as coisas vão tomando proporções maiores.

Fernanda D'Umbra, que também dirige o espetáculo, consegue construir um clima tão tenso entre eles, enterrando a personagem de Bortolotto no sofá e colocando um ar ingênuo a Leonardelli. Ainda tira de si uma interpretação muito intensa. O que é esta mulher girando e andando ao léu pelo apartamento em busca de algo, mas não se sabe o quê? Quando levanta seu poderoso registro vocal, D'Umbra estremece tudo. E sua "boêmia" é autêntica.

Surge então um Mário Bortolotto que se restringe a se mexer pelo sofá e há que se assinalar como dá medo quando a personagem se mete a levantar: o "monstro" que a personagem de D'Umbra insiste em repetir a Bortolotto ecoa na voz dele. Um registro de monstro. Por vezes incomoda. Mas é muito legal. Finalmente, Leonardelli contém-se diante do exagero dos dois, conforme pede a história, e cria uma balança que pesa a seu favor. Um magnetismo deslumbrante entre ela e D'Umbra se instala e a tensão vai crescendo.

Sucede que não se sabe para onde vai aquela história. Há algo acontecendo. Marici não deu o nome de Impostura ao espetáculo por acaso. Emergem a literatura, a inspiração, a musa, os respectivos clichês. O desespero de uma mulher para poder fazer a inspiração de um escritor medíocre aflorar trazendo uma outra mulher à baila. Uma certa segurança ingênua (um ótimo enigma) da visitante que insiste em dizer que 'tenta" escrever e parecer interessante. E o escritor: o retrato de um homem que espera, não alcança e pensa que pode atingir a alma humana por baixo.

A impostura real é de todos. Final lindo.

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Blog de Mário Bortolotto
Blog de Fernanda D'Umbra
Blog de Patrícia Leonardelli

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