segunda-feira, 5 de março de 2007

Lost in translation

Como eu me descobri japonesa através da literatura

García Márquez, Jostein Gaarder, Saramago, Safran Foer, Woody Allen, Guimarães Rosa, Hilda Hilst, Salman Rushdie, Nick Hornby. Todos eles passaram pela minha vida, mas eu estou sempre em busca de mais. Eles voltam, remexem aqui dentro, nunca são esquecidos e fazem parte do que sou, mas hoje, no meu post de estréia, vou falar sobre um autor que nem ao menos figura entre os meus livros preferidos, mas que me fez entender muitas coisas sobre mim. Vou te explicar porquê.

Minha vida inteira briguei para me livrar desse estigma de japonesa. Tudo que se referia à cultura oriental era repudiado, do alto da minha ignorância juvenil, achava que era muito óbvio gostar do que meus conterrâneos gostavam. Digo ignorância, porque de fato era. Era conhecer o raso, achar que cultura oriental se resumia a mangá e j-pop. Foi então que ele surgiu. Um japonês intrincado, soturno, pornográfico, diria até um pouco doentio. E com ele, descobri o lado B do Japão. E o pior (ou melhor): assim como eu, tantos jovens orientais também se sentiam perdidos dentro da própria cultura.

Haruki Murakami fala sobre renegar o Japão tradicional, sobre fugir a vida inteira dos estigmas e acabar descobrindo que não tem como escapar do que somos. Nascido em Tokyo, ele se engajou na luta contra guerra do Vietnã, formou-se em dramaturgia e fugiu (ele também!) para os Eua e Europa. Ganhador de vários prêmios, Murakami tornou-se um dos maiores escritores japoneses e um dos preferidos dos jovens. Em seus livros tudo é contemporâneo e recheado de signos. Eu, japonesa paraguaia que sempre fui, só fui entender o teor de sua obra depois de ir morar no Japão pela segunda vez. É um livro tão cotidiano, tão cotidiano, que talvez só faça mesmo sentido para quem já morou por lá.

É o andar de bicicleta na neve, o telhado curvado das casas antigas, o cheiro das compotas de nabo, a melancolia das colegiais de saias plissadas. O moderno com cheiro de antigo. O ranso da guerra, da bomba, do orgulho ferido de uma nação e das implicações disso nas gerações de agora. Tudo misturado com referência à filmes americanos, livros estrangeiros e músicas dos Beatles, Radiohead...

Estou lendo atualmente Norwegian Wood, mas já li Caçando Carneiros, Dance Dance Dance e Minha Querida Sputnik (o melhor dele) todos lançados no Brasil. A tradução se perde um pouco pelo caminho e simplifica algumas passagens, mas não chega a atrapalhar.

Por coincidência, Bravo! também está sugerindo Haruki Murakami na edição deste mês. Eu, particularmente, não indico a leitura para ninguém, porque não é um livro poético, inspirador e não tem um enredo muito envolvente. É um livro melancólico para poucos. E quando eu digo isso, não se sinta ofendido. Quero dizer que é um daqueles livros que, diferente de García Márquez e Saramago, tem um público-alvo muito restrito. Leitores curiosos podem se interessar também, claro, mas para os japoneses da minha geração é como se alguém traduzisse as dúvidas em letras. Se tenho mais clareza desse ranso que me invade hoje, devo grande parte à Murakami e seu pessimismo crônico, mas carregado de luz.

Um comentário:

Anônimo disse...

Arrasou na estréia, amei a fica cultural e ainda mais a experiência pessoal.
Bjs!!!
V