terça-feira, 16 de outubro de 2007

O acaso é triste

Uma mulher morre olhando o rosto do motorista do ônibus, que acabou de atropelar um rapaz que olhava distraído para o corpo de uma dona-de- casa que pulou da janela, depois de ir a uma vidente charlatona. Assim, quase sem respirar, é o enredo da peça Últimas Notícias de Uma História Só, dirigida por Otávio Martins.

Para começar, o ator Alex Gruli é uma espécie de deus ou diabo, aquele ser emblemático que representa as forças onipotentes sádicas, você sabe. Com destreza e um tino cortante, ele é o narrador, por assim dizer. O Espaço do Satyros Dois, onde a peça está em cartaz, não se parece nem um pouco com aquele em que apresentamos o Amores Dissecados.


Com quatro "luminárias" que funcionam engenhosamente bem, o espaço foi todo coberto por cortinas grossas e pretas, transformando o porão em um Porão. E mais claustrofóbico do que ele já é. E é nesse cenário sufocante que se desenrola também a relação entre um sequestrador e sua vítima. Juntando esta história com o acaso do primeiro parágrafo, tudo é cerzido pelas mãos ágeis e intensas do personagem de Gruli.

E não é querer permear o óbvio, mas intensidade realmente faz a diferença. A força cênica dos atores agradou em cheio meus olhos, já tão cansados de interpretações over das últimas peças que vi. Luciano Gatti, Melissa Vettore (uma das mães do seriado Mothern) e Alex Gruli - já citado no parágrafo acima - tem aquela energia que os atores procuram tanto.

Tá certo que o enfoque do acaso aqui foi um tanto fatalista, como lembrou bem o meu namorado. Mas acho que a intenção era mostrar o qual frágil é a vida, onde um acontecimento só já é capaz de desencadear tragédias monumentais. O bater de asas da borboleta no Japão, provocando o tumulto das águas no Guarujá. Foi uma escolha cênica, acredito eu, ter preferido o acaso triste ao feliz.

Foi a única peça "grande" que assisti nas Satyrianas que acabou ontem e gostei muito. As outras quatro eram do Drama Mix (Olerê Olará, Bico Fino, A-Ma-la, Os Segredos) e variaram muito na qualidade. Confesso que é gostoso sair sem rumo na Praça Roosevelt, escolhendo peças a esmo e pelo nome. Acho, sim, louvável a iniciativa do Satyros em criar algo nessas proporções.

Ruim mesmo foi só ter que aguentar o cheiro de mijo, gente bêbada por todos os cantos (chegando a vaiar a Homenagem à Paulo Autran) e concluir que a avaliação geral do público das Satyrianas acabou sendo medida por quanto a cerveja estava gelada e não pela qualidade das peças.

Nós também nos apresentamos, lotamos e choramos horrores.... mas isso fica para outro post.

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