quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O Grande Chefe

Em geral, as pessoas têm medo dos filmes do Lars Von Trier porque ou eles te fazem chorar como um idiota (vide Dançando No Escuro), ou te fazem sentir se sentir um idiota (vide Os Idiotas), ou te fazem pensar que realmente deveríamos matar todo mundo que é idiota (vide Dogville e Manderlay) ou então nos faz pensar como somos realmente idiotas e ainda rimos por isso, que é o caso de O Grande Chefe.

O apelo do filme é fácil e na mão de qualquer diretor americano se transformaria em um desfile de clichês do gênero. Mas Von Trier não é desses. Ele mexe com o roteiro a serviço de sua história e não da platéia. Vamos à história, pois. O presidente de uma empresa de Tecnologia da Informação, Ravn (Peter Gantzler) contrata um ator, Kristoffer (Jens Albinus, de Os Idiotas), para se passar pelo presidente na frente dos 6 gerentes da empresa. Isso se dá porque Ravn necessita fazer decisões impopulares, entretanto, eles nunca viram o presidente e Kristoffer vem para fazer a "intermediação". Coitado.

Acontece que Trier, como faz com todos seus heróis, coloca o protagonista em uma série de situações limítrofes até atingir o clímax e o que acontece faz a platéia rir, porém não da típica farsa hollywoodiana repleta de besteirol e piadinhas mal-intencionadas. Vemos, na verdade, uma comédia muito céfala. Há um humor negro impregnado em tudo o que ocorre e o próprio Grande Misantropo faz questão de narrar desta vez o filme, mais uma vez caracterizando seu efeito de distanciamento cinematográfico "a la Brecht", criando o viés político que, desta vez, é bem menos envernizado do que os filmes já-citados acima. Menos envernizado porque falamos de uma empresa que, naturalmente, rescende a cheiro de Palácio de Planalto, com os joguetes de corrupção de todas as verves, sejam elas nas relações, nas finanças, no corporativismo...

A frase "Em todo lugar tem disso", típica de conversas de corredor de escritório entre funcionários insatisfeitos, poderia ser evocada como o mote principal. Afinal, a podridão do ser humano se revela mais cáustica quando há dinheiro e relações de poder em jogo. Até aí, tudo ótimo. Trier demonstra com eficácia. Não bastasse isso, o protagonista ainda tem de segurar nas mãos os problemas individuais não-resolvidos com o real presidente da companhia. Kristoffer, na pele do presidente, quer fazer sua arte, interpretar um personagem e utilizar a oportunidade como um meio de expressão, porém ele não esperava que iria encontrar personalidades tão estranhas quanto distintas. Como a secretária que recebia e-mails do presidente dizendo que se casaria com ela. Ou o funcionário que tem uma agressividade contida e que é libertada quando se fala da temperatura. Soma-se o clima frio-ostensivo da Dinamarca e o branco e o cinza persistentes das instalações da empresa e o que temos uma enclausurada "família" desajustada que necessita de cuidados.

Rir neste caso é conseqüência dos acontecimentos e reviravoltas tão similares aos dos dia-a-dias corporativos. Como chegar em um dia e ter que lidar com picuinhas e avisos de redução de salários e, em outro, discutir como será feita a fusão/venda da empresa e sentir-se sempre na corda bamba. Até aí rimos da nossa incapacidade de estender a mão. Mas daí a rir porque somos idiotas só este mestre dinamarquês sabe. Dá até para desejar que todos os chefes assistam e, quem sabe, de repente, talvez, doravante, por um milésimo de segundo, consigam entender a boçalidade de si mesmos.

2 comentários:

Beto disse...

mas esse filme não é uma sátira sobre o cinema moderno?
ele até utilizou softwares para escolher os ângulos de câmera, sem interferência humana.

Valmir Junior disse...

Deveria ser, mas acho que o programa escolheu ângulos tradicionais, heheheh... De verdade...